Saiba mais sobre o “antropofágico e canibalista” novo disco de Daniela Mercury

Texto e foto: Edwin Carvalho

Cada novo disco de Daniela Mercury é fruto de um intenso trabalho de pesquisa musical. Em julho (a data de lançamento ainda não foi definida), o décimo terceiro álbum de carreira desta consagrada intérprete deve chegar às lojas de todo o Brasil. Canibália é o título provisório (sim, o nome ainda pode mudar, segundo a própria Daniela!) do novo CD da artista, que aposta num trabalho autoral (assina a maioria das composições) e bastante misturado, com canções que vão do samba reggae ao rock, passando pelo rap e pela música eletrônica.

Em Canibália, Daniela demonstra, mais uma vez que, embora seja a eterna Rainha do Axé, o título não consegue mais abarcar a pluralidade do seu universo artístico. “Tenho uma ligação muito forte com o carnaval, mas nunca prendi o repertório dos meus discos ao formato da festa”, já disse Daniela ao se referir ao novo álbum.

Antenada com as mudanças na indústria fonográfica, ocorridas em função da internet e do avanço da pirataria, Daniela decidiu apostar na divulgação das novas músicas na rede, antes mesmo do lançamento do CD. Foi assim com “Preta”, a primeira faixa que ficou conhecida, um samba reggae gravado com Seu Jorge, em que reafirma sua identidade com a negritude e seu amor pelo Ilê Ayê.

As outras faixas já conhecidas do público são “Princesa dos Olhos D’água”, uma homenagem à Feira de Santana, “Sol do Sul”, um reggae que fala sobre os povos da América Latina, e “Oyá Por Nós”, composta em parceria com Margareth Menezes, que fez enorme sucesso no carnaval de Salvador este ano. Também no carnaval, Daniela lançou “Trio em Transe”, uma mistura de funk e samba reggae, sobre ícones do cinema. Outra canção fará homenagem ao Olodum e cujo refrão, entoado diversas vezes pela cantora durante o carnaval, diz que “O Olodum é rei / Rei desta terra sagrada / O Olodum é rei / Rei desta gente encantada / Nas mãos de Neguinho nasceu / O samba que Deus criou / No Pelourinho surgiu / O Olodum redentor”.

Daniela também já anunciou que fará homenagens à Carmem Miranda e a Dorival Caymmi em Canibália, regravando sozinha “Tico tico no fubá” e acompanhada do guitarrista Sérgio Dias Batista, do grupo “Os Mutantes”, “O que é que a baiana tem”. Os clássicos ganharão releitura eletrônica na voz de Daniela.

Entre as novidades do novo disco estão uma balada romântica, que pode ser a belíssima “Ultimamente”, gravada para o projeto Global One Music, que reúne 35 artistas de todo o mundo, em parceria com B-Negão, e uma homenagem aos índios, a canção “Dona desse lugar”, composta por Daniela em parceria com o músico Marcelo Quintanilha, que é casado com a sua irmã, Vânia Abreu.

PARTICIPAÇÕES ESPECIAIS

No novo disco estarão Seu Jorge (em “Preta”), Margareth Menezes (em Oyá por Nós), o guitarrista dos Mutantes, Sérgio Dias Batista e Jorge Ben Jor que fez com a cantora uma mistura de samba reggae com samba partido alto. Contudo, a parceria mais esperada é a que Daniela fará com Maria Bethânia, que aceitou o convite para dividir os vocais em “Oyá por Nós”. Resta saber se a versão oficial terá a mesma batida eletrônica que a lançada pouco antes do carnaval ou se a presença de Bethânia dará um ar mais light à canção.

CONHEÇA DETALHES SOBRE AS CANÇÕES

Princesa dos Olhos D'água – Lançada por Daniela na Micareta de Feira de Santana, a canção foi escrita pela artista em parceria com o filho Gabriel Povoas e Guiguio, do Ilê. Fala sobre uma das mais importantes cidades da Bahia. “Tive essa idéia no dia da coletiva de lançamento da Micareta, quando descobri que, apesar de ser o carnaval fora de época mais antigo do país, nunca ganhou uma canção”, explica Daniela. A canção foi disponibilizada no site oficial da artista. Confira a letra.

Princesa dos Olhos D’água
(Daniela Mercury / Gabriel Povoas / Guiguio)

Santana dos olhos d'água
Princesa do sertão
Por onde o amor passa e deixa sempre o coração

Feira de Santana
Princesa do sertão

Feira de farinha, feira de feijão
Feira de carinho, feira de paixão
Olha a freguesia, olha a multidão
Olha a micareta, olha São João

Feira, feira minha feira
Flor de quixabeira, flor do coração
Feira, feira minha feira
Beijando na beira, tá beijando não

Santana dos olhos d'água
Princesa do sertão
Por onde tudo passa, passa aí um caminhão
Por onde o amor passa e deixa sempre o coração

Feira de farinha, feira de feijão
Feira de carinho, feira de paixão
Olha a freguesia, olha a multidão
Olha a micareta, olha São João

Feira, feira minha feira
Flor de quixabeira, flor do coração
Feira, feira minha feira
Beijando na beira, ta beijando não

Quando eu disser sim, vai beijando não, SIM
Quando eu disser não, vai beijando sim, NÃO
Quando eu disser sim, vai dançando não, SIM
Quando eu disser não, vai dançando sim

Bora seu menino
Vai beijando
E beija, beija, beija

Feira de farinha, feira de feijão
Feira de carinho, feira de paixão
Olha a freguesia, olha a multidão
Olha a micareta, olha São João

Feira, feira minha feira
Flor de quixabeira, flor do coração
Feira, feira minha feira
Beijando na beira, ta beijando não

Feira, feira minha feira
Flor de quixabeira, flor do coração
Feira, feira minha feira
Beijando na beira, ta beijando não

Flor de quixabeira, flor do coração, flor do meu amor

Quixabeira, beira
Quixabeira, rei!

Preta – Lançada no início do ano passado, reforça as raízes afros que influenciam Daniela desde o início de sua carreira. Nesta canção faz, mais uma vez, homenagem ao Ilê Ayê, utilizando um refrão que já era conhecido pela comunidade do Curuzu, onde o Ilê está instalado. É cantada em parceria com Seu Jorge e foi bastante executada pela artista no carnaval do ano passado. Nem todo mundo reparou, mas Daniela fez uma modificação na letra originalmente concebida para a canção, substituindo o verso "Eu sou preta, vou DE ENCONTRO À ALEGRIA" para "Eu sou preta, vou AO ENCONTRO DA ALEGRIA"), por questões óbvias. Confira a letra.

Preta
(Daniela Mercury / Part. Seu Jorge)

Eu sou preta
Trago a luz que vem da noite
Todos os meus santos
Também podem lhe ajudar

Basta olhar pra mim pra ver
Por que é que a lua brilha
Basta olhar pra mim pra ver
Que eu sou preta da Bahia

Eu tenho a vida no peito das cores vivas
No meu sangue o dendê se misturou
Tenho o fogo do suor dos andantes
E a paciência do melhor caçador

Eu sou preta
Vou ao encontro da alegria
Minha fantasia é mostrar o que eu sou
Vim de Pirajá cantando pra Oxalá
Pra mostrar a cor do alá de Salvador

Eu sou preta, mãe da noite, irmã do dia
Sou do Cortejo Afro encantador
Filho de Ilê Ayê, Ghandi Mestre Pastinha meu amor
Vou misturar o que Deus não misturou

Um abraço negro
Um sorriso negro
Traz. felicidade
Negro sem emprego
Fica sem sossego
Negro é a raiz da liberdade

Negro é uma cor de respeito
Negro é inspiração
Negro é silêncio, é luto
Negro é a solidão

Negro que já foi escravo
Negro é a voz da verdade
Negro é silêncio é a luta.
Negro também é saudade

Começou com a tal escravidão.
Onde todo o sacrifício era nas costas do negão
Hoje ta tudo mudado e o negro ta ligado.
Atrás de um futuro melhor considerado.
Respeito amor dignidade atitude.
Trabalho dinheiro cidadania e saúde.
E para o nosso país integração.
E para o nosso povo paz e união.
Preta

Sol do Sul – O reggae foi composto por Daniela e por seu filho, o músico Gabriel Povoas e fala sobre os povos latinos. “É uma canção fala da integração com a América Latina. Eu viajo há muitos anos e todos os artistas latino-americanos têm uma admiração enorme pela música brasileira. Por isso decidi fazer esta homenagem”, explica Daniela. A música foi muito bem recebida nas rádios de Salvador e do Sudeste, ficando durante semanas entre as músicas mais tocadas no Rio de Janeiro. Confira a letra.

Sol do Sul
(Daniela Mercury / Gabriel Póvoas)

Eu trago o sol
Nos meus olhos um farol
Eu trago a luz
Que vem de lá do Sul

Eu trago o azul pra você
Eu trago o sol
Eu trago o sol do Sul da América

Latina com seu jeito doce de menina
E a cor da pele que me ensina a viver
A viver

Um jeito de pensar, de ser e de falar
E um sotaque de moça do lugar
Sotaque de moça do lugar

Lá lá lá lá lá lá lá lá latino América
Latino América, América do Sul (2x)

Eu trago o céu, o sol, o som, o azul do mar
Quem vem de cá pra lá
De cá pra lá da América


Oyá por Nós – Sucesso no carnaval de 2009, a canção não estava no repertório do novo disco de Daniela. Segundo a artista, a música, que fala de Iansã, surgiu quase no final do ano passado, depois de um bate-papo com Margareth Menezes. Juntas, elas fizeram a letra. A versão que sairá no disco contará com a participação mais que especial de Maria Bethânia. Confira a letra.

Oyá por Nós
(Daniela Mercury / Margareth Menezes / Alfredo Moura)
Partic: Margareth Menezes e Maria Bethânia

Ela assanha o céu
Tudo ela alumia
Ilumina a noite
Incendéia o dia
Ela veio do vento

Oyá mulher
Oyá maria
Oyá beleza
Oyá alegria
Oyá nobreza
Oyá poesia
Oyá criança
Que se anuncia
Oyá toda terrra
Será que um dia
Oyá Iansã
Oyá ave maria

Oyá tetê
Oyá tetê oyá
Oyá tetê oyá
Oyá tetê

Oyá que vem de longe
Oyá mulher guerreira
Oyá que é inteira
Oyá de se amar

Trio em Transe – Lançada no carnaval de Salvador, a música mistura samba reggae com funk e fala sobre os ícones do cinema brasileiro e mundial, como Pedro Almodóvar e Glauber Rocha. A composição é de Daniela e do filho Gabriel Povoas. Confira a letra.

Trio em transe
(Daniela Mercury / Gabriel Póvoas)

Senhor da própria criação
Recriador da criatura
Reinventa-se na arte

Traduzindo-se em pintura

Vai cantando a primavera
Antes do chão parir as flores
Transformando-se em poesia
Imaginando-se amores

Esculpindo palavras, e notas e gestos
Escrevendo cores
Desenhando versos
Um mercador de sonhos, de sonhos
Um mercador de movimento

Eu queria ser o Deus e o diabo do cinema
Um trio em transe desfilando em Ipanema
Ser a Kika de Almodóvar
Ser a preta da Portela
Ser Tieta, Dona Flor, Madalena e Gabriela, Gabriela

Eu queria ser uma outra personagem em cada dia
Dirigir e escrever
Vestir tristeza e alegra
E pela lente dos meus olhos
Fazer do mundo poesia, do mundo poesia

Cantar um tico, tico, tico, tico, tico no fubá
Fazer um samba, fazer um samba
Cantar um tico, tico, tico, tico, tico no fubá
Maravilhosa Carmem Miranda (2 x)

Lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá

Em cada cena lhe beijar
Sem haver tempo nem lugar
Fazer um drama sem censura e me apaixonar

Como película girar junto com a terra
Sem futuro, nem passado
Ser presente, primavera
Todo tempo apaixonado
Fazer samba lá na tela
Ter você sempre ao meu lado
Pra mostrar que a vida é bela

Ser a sétima arte no sétimo dia
Ser a majestade da rebeldia
Recriando o mundo assim como eu queria
Assim como eu queria (2x)

Na cidade de Deus, um baile perfumado
Num amarelo manga, ser um bem amado
Ser comida por um bicho de sete cabeças
Na central do bye, bye, bye, bye Brasil (2x)
Ser um trio em transe, dance, dance (3x)
Ser Felini e fim


Dona desse lugar – Ainda inédita para o grande público, foi cantada pela primeira vez em junho do ano passado, durante um show em Porto Seguro (BA). É um rock que fala dos índios, composto por Daniela em parceria com o filho Gabriel e o cunhado, o cantor Marcelo Quintanilha. Confira a letra.

Dona desse lugar
(Daniela Mercury / Gabriel Póvoas)

Desde antes muito antes
Do Brasil ser Vera Cruz
Os primeiros habitantes
Por aqui andavam nus

Os guerreiros e xavantes
Guaranis e Pataxós
A aliança mais antiga
A voz dos nossos avós

Terra mãe da civilização
De um Deus que não era cristão
Mas fez a vida na floresta esculpida
Onde nasceu a índia, sou índia
Terena, da pele morena
Dos povos de lá

Índia, guerreira, xavante
Índia encantada da tribo distante
Dona desse lugar
Terra mãe da civilização