Blog amigos da rainha

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Uma arte chamada Daniela Mercury

Consagrada internacionalmente através de sua música e arte, Daniela Mercury despertou comentários, no mínimo, curiosos a respeito da sua carreira em artigos publicados pela crítica e feminista americana, Camille Paglia. No último deles, escrito no mês passado, a artista baiana aparece em belas e doces palavras unidas por um emaranhado de reflexões sobre alguns importantes registros de sua trajetória.

Reconhecida por quebrar paradigmas e dizer, sem qualquer cerimônia, o que pensa, Paglia trata todas as influências que nortearam a carreira de Daniela Mercury com incrível admiração. Em seu texto, uma das mais consagradas cantoras baianas aparece de modo bastante confortável diante de comentários que chegam a compará-la com Madonna, diva americana admirada (e também criticada) pela autora.

A lembrança de Madonna para falar da obra de Mercury não se trata da pura e simples análise quanto à qual das duas deve ser creditado maior valor, mas sim de uma apreciação de carreira. Em seu texto, Paglia analisa cuidadosamente o trabalho de Daniela e chega a algumas conclusões quanto às contribuições que fizeram dela, como disse, “corça” uma “tigreza”.

Diante dos vídeos e gravações de diferentes apresentações de Daniela Mercury, a que teve acesso desde o dia 28 de maio – quando esteve em Salvador para uma palestra pública no Teatro Castro Alves (TCA), Paglia descreve sua emoção, simplesmente, do seguinte modo: “Foi literalmente eletrizante. Eu me senti como se tivesse sido atingida por um raio, causando uma misteriosa reorganização das minhas células cerebrais. Meu tédio e desilusão com a cultura popular, que se intensificaram nos últimos 15 anos, pareciam ter desaparecido”.

Em uma de suas citações, Paglia chega a afirmar que o trabalho de Daniela Mercury serviu de incentivo para que procurasse conhecer mais sobre o idioma e cultura brasileira. “Eu posso não entender português, mas ainda assim é fascinante – poesia pura! Ouvir Daniela neste verão me inspirou a comprar CDs de aprendizagem de idioma em Português do Brasil e livros de gramática”, diz, ao falar sobre o desempenho de Daniela Mercury ao interpretar, ao lado da Banda Olodum, a canção “Umbigo do Mundo”, obra que aparece no DVD MTV Ao Vivo.

Entre os trabalhos destacados por Paglia estão ainda as canções Feijão de Corda, Suwing da Cor, O Canto da Cidade e diversas interpretações em que divide o palco com outros artistas, como o cantor Roberto Carlos, Gilberto Gil, a banda Timbalada e o Cirque Du Soleil.

O encanto de Paglia quanto a Daniela Mercury não se restringiu, de maneira alguma, somente a música. No artigo, diversas citações estão voltadas à dança e a toda desenvoltura da cantora baiana no palco. “Daniela está dançando tão livremente quanto o Ariel de Shakespeare”, diz em referência a atuação de Daniela na música “Embala”, junto aos artistas do Cirque de Soleil. Em outro momento, a americana dispara: “Se a Hollywood clássica estivesse filmando a performance de Daniela naquela noite, teria se aproximado do trabalho mais inesquecível de Rita Haywort e Cyd Charisse”, registra, sendo que a primeira comparação é uma consagrada atriz americana que encantou a década de 40 por sua beleza, carisma e dança. Quanto a também atriz Cyd, basta dizer que um de seus maiores papéis foi uma dançarina em “Cantando na Chuva”.

O que diz Daniela Mercury

De São Paulo, onde esteve na última semana a trabalho, Daniela Mercury comentou com emoção e humildade as palavras de Paglia. Para a Tribuna da Bahia, ela disse o que, através de uma correspondência fez questão de revelar a Paglia. “Que bom, que felicidade ser compreendida. Pois o meu mais humilde e sincero desejo é emocionar as pessoas. Não uma emoção momentânea, mas uma emoção verdadeira de compreensão do meu trabalho. Estou muito feliz e, verdadeiramente, emocionada por ter sido compreendida e, ainda mais, de modo tão impressionante, por uma americana”, diz.

Desde a publicação do primeiro artigo de Paglia a respeito de seu trabalho, em junho deste ano, Daniela Mercury tem mantido contato com a critica e feminista americana. Eu já conhecia, naturalmente, o trabalho de Paglia, mas nunca havia conversado com ela, não a conhecia de outro modo a não ser através de seus livros. Fiquei muito feliz e lisonjeada ao ler suas opiniões com relação ao meu trabalho e, por isso, fiz questão de entrar em contato com ela”, conta.

Além de cantora, Daniela é formada em ballet clássico e também já cursou teatro. Daí, segundo ela, podem ter sido extraídas algumas particularidades que despertaram o interesse e a admiração de Paglia. “O ballet e o teatro me ensinaram a ter disciplina, a ser perfeccionista. No Canto da Cidade isso está muito evidente. Eu sempre cuidei para que os meus shows tivessem início, meio e fim de um modo bem claro para o público e isso eu aprendi com o teatro. Gosto do meu trabalho, pois me permite usar todas essas artes que aprendi ao longo da minha vida e fico feliz que a Camille tenha percebido isso de algum modo”, diz.

O amadurecimento profissional, visto com admiração por Camille Paglia, veio com o tempo. “Hoje, sem dúvida, estou muito mais madura do que quando estourei no Brasil, quando tinha entre 25 e 26 anos. Aprendi a ser cantora. Costumava dizer que eu cantava para dançar, pois sempre amei dançar e, por algum tempo, encarei o palco como no ballet e no teatro. Mas aprendi a me relacionar com o público, aprendi a improvisar e isso foi maravilhoso para mim. Uma das minhas principais escolas foi o Carnaval, onde canto desde os 15 anos”, analisa no auge dos seus bem vividos 43 anos.

No texto, batizado com notável sensibilidade de “O poder natural de Daniela Mercury”, a preferência escancarada da cantora baiana quanto às coisas da sua terra não passou despercebido. Quanto à análise, Daniela responde com uma frase registrada no final de seu DVD/CD Balé Mulato: “Eu posso rodar o mundo, mas nunca vou deixar de ser a menina baiana”, recorda.

Para Mercury, a avaliação de Paglia vai além de uma crítica ao seu trabalho sendo, de fato, uma valorização da cultura brasileira e das coisas da Bahia. “O aprofundamento com que ela fala da nossa terra, o modo com que ela se interessa por nossa cultura é maravilhoso. Na verdade, eu fico muito feliz por ter, de algum modo, despertado isto na Camille e preciso contribuir para que ela conheça ainda mais o nosso povo. Já a convidei para o Carnaval e fiz questão de lhe falar mais sobre a Bahia e as coisas da minha cidade”, revela.

Daniela diz ainda ter sido uma opção particular o fato de não ter abandonado suas raízes. “Foi uma opção intuitiva e racional. Nunca quis partir da minha cidade, da minha família. Acho que todo ser humano, todo artista, precisa deste alento. Gosto de viajar, gosto muito de ter contato com outras influências, mas primo por manter as minhas raízes. Me deixa feliz levar a cultura da minha cidade em meus trabalhos e mostrá-la em tudo o que eu faço”, completa.

Quem é Camille Paglia?

Camille Anna Paglia nasceu no Estado de Nova York, em abril de 1947. Autora de consagrados livros, como Personas Sexuais e Vampes e Vadias, Camille fala com inteira propriedade de diferentes assuntos voltados ao universo feminista. Através de suas palavras, temas como a homossexualidade, o aborto, o assédio sexual, a educação, a religião, a arte e a moda ganham pinceladas de reflexões nada convencionais, mas inteligentemente fundamentadas.

A critica, feminista e ateia é PhD em língua inglesa pela Universidade de Yale e aparece na lista dos cem maiores intelectuais do mundo, elaborada pela revista Prospect, publicação da Inglaterra.

Fonte: Tribuna da Bahia

Nenhum comentário: