Blog amigos da rainha

sábado, 13 de setembro de 2008

Canto eletro-percussivo

Daniela Mercury desembarca neste sábado em Natal com uma produção que promete fundir as batidas do samba reggae da Bahia com a universalidade da música eletrônica. O show eletro-percussivo será hoje às 19h apresentado dentro da programação do Coca-Cola Zero Festival, na Vila Folia, e vai misturar elementos de suas duas últimas turnês, Balé Mulato e Carnaval Eletrônico, que lhe renderam títulos importantes como os prêmios Ondas (Espanha), Tim e, mais recentemente, o Grammy Latino. No palco, os bailarinos e músicos estarão acompanhados de um DJ que, ao lado de Daniela, farão versões ao vivo de sucessos como Maimbê Dandá, um dos grandes hits do carnaval de Salvador na voz da artista.

Em recente artigo publicado nos Estados Unidos, a crítica norte-americana Camille Paglia classificou a cantora baiana como uma artista que cresceu incrivelmente em autoridade pessoal e domínio artístico nos últimos 15 anos e a apontou como um exemplo a ser seguido por artistas mais jovens ou consagradas, como Madonna. Nesta entrevista concedida com exclusividade ao Diário de Natal, Daniela fala sobre as comparações com a diva mundial do pop, sobre as críticas feitas por Camille Paglia, sobre as polêmicas envolvendo o seu nome, como o beijo dado na vocalista da banda Cheiro de Amor, Alinne Rosa, durante a gravação de um DVD e, é claro, sobre os preparativos para o show que fará esta noite, em Natal.

Diário de Natal (DN) – Neste sábado você se apresenta em Natal depois de muitos anos sem fazer shows na cidade. O que está preparando para o público natalense?
Daniela Mercury (DM) – Estou animadíssima, preparando minha alma para reencontrar o público de Natal, por quem tenho um carinho imenso. A característica do Coca-Cola Zero Festival é a interferência, o diálogo entre gêneros musicais dentro dos shows. Fui provocada a fazer uma mistura e, de imediato, propus a interferência da música eletrônica. Estou levando um DJ e vou misturar o meu último show, Balé Mulato, com elementos da turnê anterior, Carnaval Eletrônico, que foi pouco vista no Brasil. Estou comemorando dez anos do trio eletrônico no carnaval de Salvador e quero mostrar para o público de Natal essas minhas incursões na música eletrônica. Será um show muito alegre, dançante, vibrante, com todos os meus grandes sucessos.

DN - Camille Paglia escreveu em recente artigo que “Muitos grandes artistas foram criados pela Bahia, mas Daniela Mercury, através do seu extasiante casamento com a alma da cidade, se tornou sua deusa”. Como é ser apontada como um fenômeno musical por uma das mais importantes intelectuais na área de cultura e arte?
DM - Fiquei em êxtase, estava dizendo que é minha medalha de ouro das Olimpíadas, porque eu acompanho o trabalho de Camille Paglia desde os anos 90, quando ela lançou ‘‘Personas Sexuais’’ e ‘‘Sexo e Arte na Cultura Americana’’, que eu li. Eu gosto muito da forma como ela se refere à cultura popular, do interesse que ela tem pelo show business do mundo e principalmente americano, que ela vem analisando há muitos anos. Me senti lisonjeada como mulher e como artista. Eu que venho transitando em tantas áreas diferentes, misturando ritmos brasileiros com todo tipo de influência, como boa filha do Tropicalismo, mandei uma carta para ela dizendo que recebi suas palavras com a alegria de um carnaval na Bahia porque realmente é um reconhecimento intelectual importantíssimo, que me reforça muito como pessoa, como artista para continuar meu trabalho, e me anima a seguir minha intuição mais ainda.

DN - Em dois artigos, Camille Paglia a compara com Madonna, comparação, aliás, que já havia sido feita algumas vezes também pela mídia brasileira. O que você acha disso?
DM - Madonna é uma grande artista internacional, da qual sou fã e que sempre tive como referência de uma artista que se renova e que faz espetáculos com dança e que envolvem artes cênicas de todos os tipos. Camille fala nos artigos que gosta de uma arte feita com mais espontaneidade, mais visceral, com mais improvisos e que ela identifica isso no meu trabalho. Ela também disse identificar o ecletismo do meu trabalho como um valor. Ela diz ainda que Madonna perdeu um pouco essa sede de renovação, que eu não sei se concordo totalmente porque é uma visão muito particular dela. Eu não queria entrar no mérito de Madonna, que é uma artista mundial, que tem seu caminho. Para mim, que não consegui o espaço de comunicação que Madonna tem com o mundo, essa comparação é maravilhosa. Mas ao mesmo tempo me sinto bem diferente dela. Sou uma artista brasileira, que sempre busquei minhas próprias linguagens, minha identidade, que sempre valorizei muito a música brasileira, a música baiana, os ritmos que nós sintetizamos aqui. A arte é sempre muito difícil de ser comparada.

DN - A que você atribui toda esta repercussão internacional do seu trabalho?
DM - Camille Paglia sintetizou bem o sentido da minha arte. Ela comenta da africanidade, da diversidade rítmica do meu trabalho, da minha performance no palco, que ela acha mais feminina, fluida, da minha inquietação, das misturas que eu venho fazendo. Ela acha que eu estou crescendo no palco desde o início da minha carreira até agora. Fala da minha relação com meu povo, valoriza pontos que para mim são muito fundamentais no meu trabalho. Eu que me sinto às vezes um pouco solitária porque, apesar de ser a rainha do axé, ter a música da Bahia como a base do meu trabalho e ser uma artista de alegria, de festa, de um show vibrante, eu também sou uma artista que sempre tive uma referência muito grande de MPB e adoro as novas tendências de eletrônica e de qualquer sonoridade nova que eu me interesse no mundo. Sou muito aberta e isso me deixa um pouco solitária no meio da música popular brasileira porque sou uma das poucas artistas que fazem essas mudanças e têm um trabalho tão eclético.

DN -Hoje, praticamente tudo que é feito na Bahia é classificado como axé. Você ainda se sente à vontade de ser a líder de um movimento musical com propostas tão diversas?
DM - Às vezes as pessoas falam que o axé já virou outra coisa e que não me vêem tanto dentro desse novo contexto. Mas eu me vejo tanto dentro do contexto do axé quanto no contexto da MPB e dentro do contexto do mundo como artista pop, como uma artista que está sempre tentando fazer um trabalho muito sintonizado com o seu tempo, que não se prende ao passado e que não continua ligada nem às suas próprias tradições. Me sinto uma artista muito livre de rótulos, mas dentro deles todos também (risos).

DN - Você já gravou discos de axé, de música eletrônica e de MPB. E agora está em estúdio preparando um novo álbum. O que o público pode esperar desse novo trabalho?
DM - Estou preparando um disco de concertos novos, de arranjos. Embora tenha lançado quatro trabalhos diferentes nos últimos três anos (Baile Barroco, Clássica, Balé Mulato e Balé Mulato ao Vivo) o último disco que eu fiz em estúdio foi o Balé Mulato (2005). Estou desde o final do ano passado pesquisando repertório e a novidade é que estou compondo muito mais para este novo disco, que terá muitas músicas minhas e composições feitas com meu filho Gabriel, que está comigo no estúdio o tempo inteiro acompanhando a gravação e participando dela como arranjador, compositor e coordenador do trabalho de produção. Além do meu filho, estou trabalhando com Alfredo Moura, que fez comigo o Feijão com Arroz e o Elétrica, com Mikael Mutti, que foi meu parceiro em Sou de Qualquer Lugar em várias canções, com Ramiro Mussotto, que fez Balé Mulato e participou de quase todos os meus discos, e estou convidando músicos que não são da minha banda para fazer um diálogo também com novas tendências. O novo CD terá um pouco de eletrônica. Será um disco muito jovem, divertido, que tem uma leveza, mas que continua a ser eclético.

DN - O repertório já foi definido?
DM - Ainda estou com um número de canções maior do que vai ficar no disco, definindo repertório e produzindo canções novas. Mas já gravei, por exemplo, a canção Samba da Minha Terra, de Dorival Caymmi, que está dentro de um medley de sambas que eu fiz. Misturei Samba da Minha Terra com Samba da Benção e Baixa do Sapateiro numa versão mais moderna. Tem Preta, que foi muito bem recebida no carnaval deste ano, que eu gravei com Seu Jorge. É um disco que vem com mais elementos novos. Estou muito animada, mas estamos decidindo ainda quando ele vai ser lançado porque estou deixando-me fazer o disco sem pressa, uma vez que para fazer conceitos novos é preciso laboratório, pesquisas, tentativas e erros para buscar novas sínteses. Lá vou eu mais uma vez na minha busca infinita pela novidade.

DN - Este ano você lançou um DVD em comemoração aos quinze anos do disco O Canto da Cidade, que a projetou internacionalmente como a Rainha do Axé. Passado todo este período, qual a avaliação que faz da carreira?
DM - Me senti sempre uma artista muito livre para fazer tudo que eu quisesse, desde o começo da minha carreira. Quando eu revi o Especial O Canto da Cidade (produzido pela Rede Globo em 1992), cantando Legião Urbana, com Paralamas, Tom Jobim, eu já anunciava que era esta artista multifacetada. De lá para cá eu venho me reinventando mas mantendo a mesma força do Canto da Cidade, de identidade e defesa da música baiana, do samba reggae. Hoje eu me sinto muito feliz de ter construído essa história, de ter 14 trabalhos gravados, entre DVDs e CDs, de ter meus ladrilhos construídos. Porque eu acho que, independente de ter mais ou menos popularidade e sucessos em alguns momentos, de estar mais focada fora do país e de ficar nesta luta constante para me comunicar com o Brasil e com o mundo, eu consegui construir uma obra e isso me deixa muito feliz. Quando a gente começa a carreira, tem o anúncio de um artista que pretende construir um trabalho e hoje eu posso falar de parte desse trabalho construído.

DN - Em 2007, você venceu o Grammy Latino com o álbum Balé Mulato ao Vivo. O que mudou na sua carreira internacional após a conquista deste prêmio?
DM - Consegui mais divulgação do meu trabalho, mais visibilidade internacional. O Grammy Latino é uma espécie de medalha de ouro para nós da música, um dos maiores reconhecimentos que eu recebi dentro e fora do Brasil. Tenho recebido retornos do mercado de gravadoras e artistas que passaram a me conhecer mais a partir da conquista do Grammy, apesar de muitos já conhecerem minha trajetória, da artista brasileira que sou. Foi maravilhoso receber este prêmio junto com as comemorações dos 15 anos do Canto da Cidade.

DN - Você tem procurado se manter presente no Brasil, mas sem esquecer do mercado internacional. Como tem conseguido conciliar a agenda de shows e administrar uma carreira dentro e fora do país?
DM - Fico me desdobrando para continuar morando na Bahia e fazer uma carreira internacional porque não quero perder este chão, esta inspiração, esta ‘‘nordestinidade’’, este sotaque. A minha sensação é que quanto mais para fora eu vou, mais baiana, nordestina e brasileira eu fico. Sair do Brasil foi o natural de uma artista que se tornou grande nos anos 90 e que passou a receber convites para shows fora do país, o que permitiu ampliar a divulgação internacional do meu trabalho. São muitos países e o diálogo com cada um deles é delicado, sutil. Não é só chegar e fazer shows, mas dialogar com a grande massa da população de cada país. E eu já consegui isso depois de 14 anos de carreira internacional contínua, de insistentes idas à América Latina, à Europa, aos Estados Unidos e a países como Israel e Turquia. Hoje eu me sinto como se estivesse no Brasil em vários países. Sou conhecida e acolhida pelo público, pela imprensa e pelos produtores internacionais em muitos países. Tenho muito orgulho de representar o Brasil, o Nordeste.

DN - O que ainda falta conquistar internacionalmente?
DM - Vivo tentando explicar para o mundo a nossa diversidade cultural, querendo abrir portas para outros artistas brasileiros porque acho que devemos lutar para ampliar o espaço para a música brasileira se estabelecer no grande mercado mundial, que ainda não tem grandes artistas brasileiros inseridos. Sou uma das artistas mais conhecidas da minha geração, mas sei que precisamos lutar mais ainda, mas sem pressão, sem angústia, fazendo o que é possível para dar dimensão à música brasileira no mundo.

DN - Você é considerada uma artista de declarações a atitudes polêmicas, como o recente beijo dado na cantora Alinne Rosa durante a gravação de um DVD. Você se considera uma pessoa polêmica, gosta de chocar o público?
DM - Não sou polêmica por intenção, mas por falar claramente sobre as coisas, porque sempre tive uma visão aberta, porque sou direta em minhas colocações. A polêmica vem por conseqüência dos meus posicionamentos. Acho muito difícil a gente ficar neste mundo achando tudo ótimo, sem se posicionar. Não sou uma pessoa de reclamar, mas de propor reflexões querendo que sejamos melhores, que possamos crescer como país. O Brasil é um país muito aberto. Na Bahia ninguém estranha muito nada, todo mundo é artista. O povo nordestino é muito comunicativo, muito aberto a todas as influências. É um povo que mistura dezenas de elementos tradicionais. Veja o forró que sempre ressurge com novas caras. Somos um povo muito aberto, muito criativo. Somos um povo muito urbano, antenado.

DN - Você esperava que o beijo dado em Alinne causasse tanta repercussão?
DM - O beijo foi uma provocação divertida. Queria entender que país é este que a gente está vivendo. Fizemos uma brincadeira, sem muita pretensão. A música era provocativa e resolvemos brincar. Quero mais é ver as pessoas se divertirem e repensarem em que mundo a gente vive hoje.

Por Edwin Carvalho
Especial para o Diário de Natal

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