Blog amigos da rainha

terça-feira, 17 de junho de 2008

Camille Paglia encantada com o talento de Daniela Mercury

Camille Paglia é a mais importante intelectual americana na área de cultura e arte. Sua tese "Personas Sexuais" - sobre a arte e o sexo na construção da civilização ocidental, da pré-história ao século XIX - é um marco na crítica e história da arte e tornou-se um best-seller mundial nos anos 90. Culta e de idéias originais e provocadoras, ela se tornou uma personalidade influente não apenas nos Estados Unidos. De personalidade forte, corajosa e ousada, teme-se a sua franqueza na mesma medida em que respeita-se a sua inteligência brilhante. Sua visão afirmativa da mulher e sua repulsa pelo discurso do feminismo americano conservador, que mantém o discurso da mulher como vítima do macho, fazem dela um verdadeiro tufão de renovação do feminismo no mundo. Seus artigos sobre o poder das divas, em especial valorizando os ícones Elizabeth Taylor e Madonna tornaram-se clássicos.

No dia 28 de maio, Camille Paglia esteve em Salvador, na Bahia, para uma palestra pública, no Teatro Castro Alves durante a série “Fronteiras do Pensamento”. Ela falou sobre: “Variedades do erótico na arte do século XX”. Neste evento, Camille teve acesso a todos os DVDs da cantora Daniela Mercury, e no dia 11 de junho, a escritora publicou em sua coluna, no salom.com, um artigo intitulado, “Obama’s best veep choice - Plus: and Brasilian diva Madonna could aspire to”. Em português: (A melhor escolha de Obama para Vice Presidente - Mais: e a Diva Brasileira que Madonna gostaria de ser)

Trecho do artigo em que Camille Paglia fala sobre Daniela:


No front cultural, eu estive no Brasil há duas semanas para minha primeira visita à bela e histórica cidade de Salvador, capital da Bahia, que eu adorei. (Nem me façam falar da comida fabulosa, com suas raízes africanas e ameríndias). Eu dei uma palestra pública no Teatro Castro Alves na série “Fronteiras do Pensamento”, patrocinada pela Copesul Braskem: “Variedades do erótico na arte do século XX”.

Depois, na coxia, enquanto minha mente ainda estava acesa com as 61 imagens que eu tinha mostrado (de Gustav Klimt e Pablo Picasso a Cindy Sherman e Robert Mapplethorpe), um assessor de imprensa chegou com um presente de uma das residentes mais famosas de Salvador, a superstar brasileira Daniela Mercury – cinco dos seus DVDs amarrados com uma fitinha vermelha. Sobrecarga sensorial! Com os preciosos DVDs cuidadosamente embalados em minha bagagem de mão, eu voltei para os Estados Unidos em um tapete mágico de devaneio Mercurial. Não estou brincando: aqui está a foto da capa de “Clássica” tratada magneticamente.

Desde o meu retorno, tenho vasculhado a web para pesquisar o fenômeno Mercury (seu nome verdadeiro: o nome de solteira de sua mãe era Mercuri). Eu dei uma olhada no YouTube que tem um estoque abundante com seus vídeos, entrevistas para TV e encontros sinceros de fãs. Daniela, agora com 42 anos, já foi chamada de Madonna do Brasil, mas seu trabalho como cantora e dançarina é muito mais abrangente e mais eclético do que o de Madonna. Sua estética folclórica se formou na colossal festa de carnaval de Salvador, na qual a cidade inteira se volta para cantar e dançar ao redor de caminhões altamente amplificados (trios elétricos). Uma apresentação típica nas plataformas elevadas pode durar sete horas seguidas. (Aqui está Daniela com uma fantasia completa de carnaval charmosamente emocionada na passarela antes de cantar “Swing da Cor” para a multidão abaixo).

Embora sua carreira profissional tenha começado em casas noturnas, Daniela chegou ao estrelato na década de 90 como “Rainha do Axé”, uma fusão pop afro-brasileira originária de Salvador, denominada às vezes de samba-reggae. Seu amplo repertório varia da música romântica ao rap português. Em tudo isso, corre sua sintonia com a emoção profunda e também seu fascínio pelos ritmos infinitamente complexos da Bahia africanizada. Seu lema declarado é alegria, que ela chama de essência da vida e que ela transmite visivelmente para seu caudaloso mar de fãs.

Ao ver Daniela Mercury em ação, eu me dei conta de como eu fiquei entediada e desiludida com o entretenimento popular americano nos últimos 15 anos, quando Madonna se mercantilizou e perdeu sua pegada no zeitgeist. Toda essa vitalidade apaixonada, improvisacional, ao ar livre vinha acontecendo no Brasil enquanto os fãs da música americana ficavam presos como novilhos dopados no curral comercial de shows de estádio, caríssimos e superlotados, nos quais os artistas exibem letras enlatadas entre efeitos especiais computadorizados de luz. Músicos “alternativos” de baixo orçamento são igualmente programáticos, com suas banalidades políticas ou suas afetações datadas de ironia urbana.

Eu recomendo de coração o DVD de Daniela Mercury “Eletrodoméstico” a todos os jovens artistas aspirantes ou a qualquer um que anseie ver as artes performáticas em plena magnitude. (Essa imagem enfeitiçante da capa dá um sabor da estonteante variedade de rodopios, das roupas de couro recortadas, jóias intrincadas e extravagantes braçadeiras gaúchas). “Eletrodoméstico” é uma maratona, uma performance altamente inflamável de 2003 para a MTV Brasileira na qual Daniela canta e dança incansavelmente ao longo de 25 músicas. (Aqui ela está interpretando e fazendo rap na sensacional música-título em um festival de jazz em Montreal). Há também vários duetos animados de música e dança com artistas convidados. Não se pode imaginar Madonna dividindo o palco graciosamente com ninguém (como Judy Garland fez com a jovem Barbra Streisand, por exemplo, quando o formato de show de variedades ainda florescia nos Estados Unidos).

Do mesmo modo, não se pode imaginar Daniela, com sua linguagem corporal fluida e relaxada e silhueta dourada de pele lisa, cultivando braços grotescamente fortes e pálidos e mãos que se parecem com garras, que têm de ser minuciosamente apagadas das fotos de revista da Madonna workaholic. A feminilidade anglo-americana estressada, antenada e superconceituada, atualmente exposta no filme de sucesso “Sex and the City”, está causando dispepsia cultural. Seria surpreendente que tantos homens jovens interessantes e talentosos estejam relutantes em se casar ou tenham se tornado gays aos rebanhos? O que exatamente as jovens mulheres profissionais têm a oferecer nesses dias, além de um papo de trabalho animado em um almoço de negócios?

Reconectar-se com a natureza seria obviamente mais fácil na viçosa Bahia tropical do que na rede de concreto de Manhattan. Mas é aí que entra a arte – o meio da imaginação expandida, que dissolve o tempo e o espaço. Círculo completo do feminismo: sexismo, onde existe, é uma barreira política que deve ser removida. Mas a vida é um princípio orgânico e um horizonte cósmico, mais vasto e mais eterno do que a política.

Veja o artigo completo (em inglês) aqui.

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